O mal do século

Este foi um dos artigos que produzi na época em que estava cursando a faculdade. Compartilho com vocês!

O mal do século

Na busca desenfreada pelo prazer, vivemos um tempo que se limita ao presente, ao presente das sensações; que dura apenas o tempo do prazer proporcionado por elas. Para alcançá-las, as pessoas agem com certa obsessão: tudo é válido. Temos observado um aumento acirrado da violação da liberdade de nós mesmos e dos outros. O resultado produzido por isso não é nada satisfatório: existem cada vez mais pessoas solitárias.

A música “Socorro” traduz um pouco do que anda acontecendo: Socorro não estou sentindo nada/ Socorro, alguém me dê um coração / Que esse já não bate nem apanha / Por favor, uma emoção pequena / Qualquer coisa / Qualquer coisa que se sinta / Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva.

Esses são fragmentos da letra de uma música de Arnaldo Antunes que traduzem o que se mostra como um mal da sociedade contemporânea: a solidão.

Essa palavra soa como um castigo àqueles que ainda admitem que têm corações que “batem” e também “apanham” porque a vida é feita realizações e contrariedades, de prazeres e desafios. Como diria Renato Russo “a solidão é o mal do século, cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição”.

E quantas provas dessa afirmativa não nos são reveladas no dia a dia?

Pare para pensar nas comunidades virtuais que você conhece, nos diversos sites de relacionamentos como Orkut, Facebook e afins: “Eu sou pra casar”, “Procura-se Alma Gêmea”, “Eu quero um amor pra vida toda”, e outras mais pessimistas como “Acho que nasci pra ser sozinho” e “Solteiro sim, sozinho também”.

E não há regra para entrar em uma comunidade dessas. Entram feios, bonitos, pessoas interessantes ou nem tanto (critérios extremamente subjetivos), mas para ingressar como participante, basta que sinta “afinidade” com o estado do espírito a que aquele cantinho virtual se propõe.

Por falar em questões estéticas, certo também é que vivemos numa sociedade que nos cobra perfis intangíveis: uma imagem que não necessariamente nos traz a felicidade. O mercado propaga corpos perfeitos. Com a ajuda de cosméticos e procedimentos cirúrgicos, conseguimos retardar o envelhecimento e estamos a cada dia mais belos, mas nem por isso, menos sozinhos.

Mas não são apenas os adultos iludidos ou inebriados com essa busca incessante da aparência perfeita que trafegam por esse mundo virtual.

Li nos jornais e vi na TV: impressionado pelo fato de a filha, de 14 anos, passar 13 horas diárias diante da telinha, “navegando na internet”, o pai tomou uma decisão: tirou o computador do quarto da menina e colocou-o na sala. Pensou que, num ambiente maior e onde circulava as pessoas da casa, a filha diminuiria a carga horária diante da telinha, limitando-se ao essencial, tanto no que diz respeito às informações gerais como ao bate-papo que a internet possibilita ao aproximar e ligar pessoas no universo virtual. Foi em vão, a menina continuou a utilizar o computador como principal maneira de se comunicação.

Na infância de muitos nem se imaginava que um eletrodoméstico fosse tão “essencial” na vida de um ser humano, como é a figura do computador que toma conta de nosso precioso tempo hoje.

Há tempos não existia internet. Havia a geladeira, em cuja porta deixava-se recados para mãe, ou para irmãos, em caso de famílias maiores. Muitas vezes, um simples beijo com um coração desenhado a lápis de cor vermelha, já era uma forma de solidão. Mas não se gastava 13 horas com esse tipo de interação, embora o universo atingido fosse mínimo.

Atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas com idade acima de 15 anos, acessam a internet em casa ou no trabalho, informa um relatório da comScore, empresa de pesquisa de Internet dos Estados Unidos, realizado em janeiro em 2009.

No Brasil, são 27,7 milhões de internautas ativos. A avaliação, entretanto, exclui o tráfego vindo de computadores públicos – incluindo lan houuses – e de celulares ou smartphones.

Em nosso país, existem poucas pesquisas abrangentes na área que apontem para o efeito da comunicação realizada de forma virtual e excessiva, mas a Internet já é classificada como um dos tipos de entretenimento que conduzem ao vício. Isto é o que estudam os psicólogos e psiquiatras do Programa de Orientação e Atendimento de Dependentes (Proad), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Estima-se que cerca de 2,5 milhões de brasileiros podem ser viciados em Internet, abrangendo 10% da população entre homens e mulheres, de qualquer idade ou classe social (Dados do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo – Projeto de Dependentes de Internet do Ambulatório Integrado dos Transtornos dos Impulsos).

O medo da solidão nas relações amorosas.

No tocante às relações homem-mulher, todo mundo quer ter alguém ao lado, “andar de mãos dadas à beira da praia”, como interpreta Caetano Veloso em uma das composições de Alain Tavares e Gilson Babilônia, “Minar Você” .

Mas, hoje falar isso parece meio fora de moda, destoa do ritmo de vida moderna, onde “tudo” tem que ser para agora, para já. Esse “tudo” é algo limitado. Normalmente refere-se às questões mais racionais como carreira, projeção, sucesso… Os relacionamentos são deixados para trás.

Ah, definitivamente eu não pertenço a esse mundo que se limita a ver a vida focada apenas na objetividade e nos compromissos com o dinheiro! É importante sim se ter uma condição financeira que possa proporcionar um certo conforto, mas pergunto: onde, na sua vida, existe um espaço para as emoções?

Todas as emoções existem para serem vivenciadas; felicidade e amor então, nem se fale. A vida é curta e cada instante que vai embora não volta mais, por isso, utilizo a frase em latim de outro poeta, Horácio: “carpe diem”, que traduzida para o português faz referência à ideia de aproveitarmos o dia, o momento, da melhor forma. A vida não pode ser economizada para amanhã. Que maravilhosa é a oportunidade de podermos dividir um sorriso a dois e todas as dádivas e dificuldades também. Como diria a frase de um dos comerciais de cartão de crédito: isso não tem preço!

Posteriormente, o relacionamento pode até não dar certo. Um, outro, ou ambos podem querer desistir. Mas, como é bom corrermos o risco de sermos felizes, deixando a solidão o mais distante possível. Estamos carentes de sensibilidade e precisamos nos deixar vivê-la, sem medo. Como diria Vinicius de Moraes sobre o amor: “que seja infinito enquanto dure”.

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